Jardim Dos Sentimentos: Reflexões sobre o Luto por Suicíd1o [Texto 03: Além da Dor: Uma Jornada de Luto, Amor e Renovação]
- Psicóloga Daniela Coelho Andrade - CRP 11/08656
- 16 de mar. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de mar. de 2024


*As histórias aqui compartilhadas, são inspiradas em estudos, pesquisas e uma variedade de histórias reais compartilhadas publicamente, incluindo minha própria experiência. A intenção é, ao fazer essas histórias chegarem a outras pessoas sobreviventes enlutadas por suicídio, dar voz às suas emoções muitas vezes não expressas e promover um maior entendimento sobre a importância do apoio e da comunicação responsável e aberta.
Desde a perda de minha esposa, a sensação de ter sido lançado em um turbilhão de emoções e exposição indesejada se tornou uma realidade constante em minha vida. A curiosidade da mídia e dos que nos cercavam parecia não ter limites, chegava a ser indecente, invadindo a intimidade e privacidade que tanto prezávamos e que eu e meus filhos precisávamos. Envolto em sentimentos de culpa, vergonha, raiva e uma angústia profunda, eu me sentia perdido, excluído de um mundo que seguia em frente sem mim, sem saber onde encontrar o apoio de que tanto precisava. Sentia falta de compreensão, de um gesto de empatia que me ajudasse a encontrar meu caminho novamente.
Por muito tempo, acreditei que a ajuda disponível era apenas para a prevenção do suicídio, desconhecendo a existência da posvenção, um suporte específico para pessoas que, como eu, enfrentavam o luto por perder alguém querido dessa forma. Foi durante uma sessão de psicoterapia que meu psicólogo explicou o conceito de posvenção do suicídio. Buscar a psicoterapia já tinha sido um grande passo, a princípio hesitei em buscar esse apoio, temendo não ser compreendido em minha dor. Mas, com a garantia de que eu e meus filhos encontraríamos pessoas que vivenciam situações similares à nossa, conversei com meus filhos e decidimos participar de um encontro de grupo de apoio.
A experiência no grupo foi transformadora. Lá, encontramos o que nos faltava: empatia, compaixão, apoio e, sobretudo, compreensão. Então, demos continuidade aos encontros mensais. Todos ali compartilhavam um entendimento profundo do que nossa família estava passando. Foi nesse ambiente acolhedor que comecei a acreditar na possibilidade de sobreviver à dor que me consumia de modo a não me sentir bem nem em conversar com meus filhos sobre a mãe deles. Por meio da psicoterapia individual e dos encontros do grupo, aprendi a importância de falar sobre minha esposa, de compartilhar o sofrimento causado por sua morte, mas também de celebrar a vida que vivemos juntos, devo essa lição a meus filhos que me motivaram tanto a me expressar mais.
Antes de buscar ajuda, meus pensamentos estavam fixos na maneira como ela se foi, negligenciando os mais de 30 anos de vida compartilhada. Os preconceitos em torno do suicídio intensificaram meu sofrimento, obscurecendo as memórias da vida tão significativa que tivemos. Meu psicólogo reforçou que, sem me abrir e aceitar ajuda, meu luto, já tão complexo, poderia se tornar ainda mais complicado. Felizmente, escolhi ouvir e me permitir falar mais, abraçando o suporte daqueles que realmente podiam me ajudar, inclusive o apoio de meus filhos, que mesmo também sofrendo tanto, me ajudaram a aceitar e a buscar ajuda.
Hoje, ainda lamento sua morte, sei que lamentarei sempre, mas também celebro com orgulho a vida que construímos juntos, simplesmente porque me nego a aceitar que a forma de sua morte defina a pessoa linda que ela foi e sempre será em mim. Continuo por nossos filhos, netos e pelo jardim de nossa casa, que tantas vezes serviu de refúgio e alívio para ela. Aprendi que, além da dor da perda, há uma vida cheia de significados e amor para ser recordada.
Com afeto,
Sobre 🌻 Viver | Psicologia Clínica
Daniela Coelho Andrade
Psicóloga - CRP 11/08656
Esp. Logoterapia e Análise Existencial
Psicoterapia | Palestras | Capacitações
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📍 Clinicrato, Praça da Sé, nº 93, Centro, Crato-CE
Instagram: @psicologa_danielacoelho | @posvencaodosuicidio_cariri
Inspirado em:
Fine, C. (2018). Sem tempo de dizer adeus: como sobreviver ao suicídio de uma pessoa querida. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes.
Kreuz, G., & Niehues Antoniassi, R. P. (2020). Grupo de apoio para sobreviventes. Psicologia em Estudo, 25. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v25i0.42427
Scavacini, K. (Org.). (2018). Histórias de sobreviventes do suicídio. Instituto Vita Alere; Benjamin Editorial.
Scavacini, K. (Org.). (2019). Histórias de sobreviventes do suicídio: Vol. 2. Instituto Vita Alere; Benjamin Editorial.
Scavacini, K. (Org.). (2021). Histórias de sobreviventes do suicídio: Vol. 3. Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.
Ao enfrentar o desafio de viver o luto por suicídio, é essencial saber que existem recursos disponíveis para oferecer apoio e orientação durante este período difícil. Aqui estão algumas fontes de apoio ao luto por suicídio que podem ser de grande ajuda:
Centros de Valorização da Vida (CVV): Oferece apoio emocional e prevenção do suicídio, por meio de atendimento voluntário e gratuito a todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. Contato pode ser feito pelo telefone 188 ou através do site www.cvv.org.br.
Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio: Disponibiliza informações sobre saúde mental, prevenção e posvenção do suicídio e fornece gratuitamente cartilhas informativas de grande qualidade.
Grupos de Apoio para Sobreviventes de Suicídio: Muitas cidades têm grupos de apoio específicos para pessoas enlutadas por suicídio, oferecendo um espaço seguro para compartilhar experiências e sentimentos com quem passa pela mesma situação. Você encontra também grupos online através da Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio
Serviços de Psicoterapia: Profissionais especializados em luto podem oferecer suporte individualizado para processar a perda e encontrar caminhos para elaboração do luto.
Buscar ajuda é um passo importante no processo de luto. Você não está sozinho(a) nesta jornada. Essas fontes de apoio podem oferecer o conforto e a orientação necessários para enfrentar este momento tão desafiador.
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